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Reforma da Previdência - Um Retrocesso Social para o Servidor Público
A proteção previdenciária dos servidores públicos vem experimentando significativas alterações em relação à disposição constitucional de 1988, com claro interesse político de desoneração do Estado em relação às obrigações originariamente pactuadas com os servidores ativos e inativos.
Para além de desonerar o Estado, a recente proposta de Emenda Constitucional nº 287 pretende autorizar o fomento do mercado de previdência executado por entidades abertas de previdência complementar de forma nunca dantes vista no ordenamento jurídico nem mesmo em relação à empregados da iniciativa privada. A priori, a nova mudança representa fragilização do sistema de proteção dos servidores públicos.
O que se pretende com a reforma da previdência é obrigar os entes da federação a contratarem previdência privada, estando autorizada a contratação de entidades abertas, ou seja, aquelas disponíveis no mercado e que visam o lucro, fazendo da previdência um produto de mercado, com os riscos inerentes. Da disposição constitucional originária de manutenção da integralidade e da paridade entre os proventos de todos servidores ativos e assistidos, até a atual proposta de emenda constitucional para suprimir a manifestação de vontade de União, Estados e Municípios, obrigando-os a contratar uma previdência privada aos seus servidores sob o pretexto de garantir uma robusta renda mensal de aposentadoria, fundo de pensão dos poderes, se passaram menos de 30 (trinta) anos. Da perspectiva do planejamento previdenciário, 30 (trinta) anos é pouco tempo. Sem contar que no meio desse caminho ainda foram levadas a cabo significativas emendas constitucionais, que também não tiveram seu tempo de maturação respeitado, implicando em regras de transição sobrepostas umas às outras, o que tem servido somente pra colaborar com a insegurança jurídica que hoje se vive no âmbito da proteção previdenciária.
A nova reforma, assim, pretende extinguir as entidades fechadas “de natureza pública”, figura jurídica criada à margem da melhor técnica jurídica, mas que ainda estava em fase de crescimento. A entidade fechada de previdência complementar “de natureza pública” foi criada com a emenda 41/03, concretizada em meados de 2012 com o FUNPRESP, fundo de pensão que desde então abriga a previdência complementar dos Poderes da União e, por fim, pretende-se decretar sua extinção, menos de 5 (cinco) anos do início de sua vigência, com a atual proposta de reforma da previdência.
O aspecto principal que separa as entidades fechadas das entidades abertas é o fato de que as fechadas não visam o lucro, revertendo a integralidade dos resultados dos investimentos para formação do benefício contratado, enquanto as abertas abocanham parte desses resultados a título de lucro. As abertas lucram com a contribuição do servidor que se vincula a ela, cuja origem do recurso é pública. É uma verdadeira transferência compulsória de recurso público para a lucratividade sem risco da iniciativa privada, muito mais que uma previdência.
A estas disposições novas que se avizinham soma-se o fato de que o Ministério da Previdência Social foi extinto no início de 2016. Assim, a atividade das entidades de previdência privada, sejam elas abertas ou fechadas, passaram a ser fiscalizadas pelo Ministério da Fazenda, que carrega consigo metas absolutamente distintas do extinto Ministério da Previdência.
Que não se esqueça, também, que, desde 2015, todo o servidor que ingressa na União Federal já tem sua manifestação de vontade suprimida. O servidor passa no concurso e assim que assume o cargo é automaticamente incluído à previdência privada, podendo requerer seu desligamento em até 90 dias.
Todas as mudanças realizadas sempre sob o pretexto de que alivia os cofres públicos e protege o futuro do servidor. Seria o único caminho pra que se tenha uma previdência minimamente digna e compatível com o que se percebia na ativa. É o que dizem. E até que se faça algo, é no que se terá.
Perceba-se o novo cenário que se desenha: a previdência do servidor público proposta com a reforma autoriza que bancos e seguradoras lucrem a partir das contribuições previdenciárias feitas compulsoriamente por estes servidores automaticamente colocados no plano de previdência imediatamente após a posse no cargo. A manifestação da vontade das partes em contratar será definitivamente deixada de lado.
Pelo que se propõe, a tentativa de desoneração dos cofres públicos se sobrepõe à própria segurança jurídica das relações. Provocativo, não?
O que mais preocupa, contudo, diz respeito à supressão da manifestação das vontades das partes em contratar. A flexibilização do princípio da facultatividade do sistema de previdência complementar, inaugurada com a adesão automática do servidor, agora cria robustez na reforma da previdência, na medida em que é proposta a obrigatoriedade dos entes federativos de instituírem a previdência complementar aos seus servidores, flagrantemente à margem do ordenamento jurídico pátrio.
Enfim, orienta-se que todo o mergulho em águas profundas seja feito por meio de avanço lento e gradual, sob pena de comprometer-se diretamente o funcionamento regular do organismo. Na mesma perspectiva, o retorno das águas profundas, também não deve ser feito de forma abrupta. Assim, uma vez mergulhado, é necessário ao corpo um período mínimo de adaptação. Não se está a concluir que tanto a imersão, quanto o retorno à superfície, procedidos de forma imprudente e rápida, irão provocar danos, mas os riscos de que os danos existam são maiores e evidentes.
Não se está a afirmar que haverá danos irreparáveis. Contudo, é certo que quanto mais agressivo for o mergulho da previdência dos servidores na previdência complementar, maiores serão os riscos desses servidores públicos em relação à segurança previdenciária que possuem. E mais difícil será retornar à situação original que a Constituição Federal dispunha.