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PREVIDÊNCIA SOCIAL: CAMINHO PARA PRIVATIZAÇÃO
A CONSTITUIÇÃO FEDERAL de 05 de outubro de 1988 é um marco em termos de Previdência Social, não por ser a primeira a fazer referência a este conjunto de direitos, mas pela abrangência das referências que realiza e pela criação de princípios gerais norteadores para que qualquer sistema previdenciário funcione de forma equilibrada e com abrangência social universal. Devo alertar ao leitor que o regime previdenciário administrado pela “Previdência Social”, objeto deste artigo, é tão somente aquele ao qual estão vinculados, entre outros, os trabalhadores celetistas urbanos, rurais, autônomos, parceiros e meeiros. A Previdência Social, como é sabido, não abrange os regimes estatutários dos servidores públicos da União, Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios, suas autarquias e fundações.
Encontramos na CONSTITUIÇÃO FEDERAL, princípios como irredutibilidade de benefícios, carater democrático e descentralizado da gestão financeira, correção monetária integral dos salários que integram o cálculo dos benefícios entre outros. Tais parâmetros denotam grande avanço social, eis que a Previdência Social é o seguro social por excelência, elemento fundamental na qualidade de vida e manutenção dos cidadãos.
No art. 202 da CONSTITUIÇÃO FEDERAL, com sua redação original, encontramos, pela primeira vez, a relação dos benefícios previdenciários que integrariam o sistema previdenciário oficial de forma clara, inclusive com referência à modalidade correção dos valores que integrariam seus cálculos.
Entretanto, desde que a constitucionalização destes direitos fundamentais foi realizada, o que verifica-se é um constante direcionamento para que tais garantias deixem de existir pois, segundo os gestores da administração pública federal, estaria ocorrendo um ônus demasiado para as finanças públicas ocasionador da elevação dos juros dos financiamentos em geral e, em particular, da dívida pública.
A Lei nº 8.213/91, Lei de Benefícios editada para regulamentar a CONSTITUIÇÃO FEDERAL, estabeleceu instrumentos para que os direitos previdenciários se viabilizassem de forma adequada. Não obstante, ao longo destes quase nove (09) anos em que vigorou, a Lei de Benefícios vem sendo constantemente alterada com claro objetivo de restringir o exercício de direitos, culminando com a edição da EMENDA CONSTITUCIONAL nº 20/98, que modificou de forma radical o sistema previdenciário brasileiro.
A primeira legislação pós-regulamentação que alterou significativamente os direitos previdenciários dos segurados, foi a Lei nº 9.032/95. Tal dispositivo dificultou profundamente a concessão das denominadas aposentadorias especiais (concedidas para quem trabalha em situações que acarretem riscos a integridade física do segurado – insalubres ou perigosas). A partir desta lei, além dos formulários que deviam ser preenchidos pelas empresas descrevendo as situações de risco na qual trabalha o segurado, o fornecimento de laudo técnico confirmando os dados do formulário deveriam passar a integrar o processo administrativo de concessão. O objetivo desta lei é restringir ao máximo, mesmo que contra a evidência dos fatos, a concessão de benefícios previdenciários para quem trabalha em condições insalubres ou perigosas.
Na prática o INSS está exigindo nos seus postos de atendimento que o segurado comprove, inclusive com laudos, as situações de insalubridade e periculosidade anteriores a edição da lei, o que não poderia ocorrer, visto que a lei somente retroage para beneficiar. Mesmo com a apresentação de laudo técnico comprovando o exercício de atividade especial, algumas atividades, como trabalhadores que laboram em empresas que comercializam derivados de petróleo, não conseguem o enquadramento desejado. Nesta lei também consta que o dirigente sindical que se afasta de suas atividades, perde o direito a conseguir o enquadramento das atividades como especiais enquanto estiver exercendo seu mandato. Também proibiu que aqueles que tivessem direito à aposentadoria especial continuassem exercendo as mesmas atividades na sua empresa, bem como modificou o cálculo dos benefícios acidentários e reduziu o número dos mesmos.
A Lei nº 9.711/97 estabeleceu novas restrições aos segurados, impedindo que aposentados continuassem a trabalhar em empresas públicas e de economia mista, bem como determinando que o “auxílio-acidente” (benefício acidentário concedido a quem ficou portador de sequela redutora de capacidade laboral) deixasse de ser vitalício e inacumulável com qualquer aposentadoria.
Neste período também foram editadas toda a sorte de Decretos, portarias e ordens de serviço ilegais que estabeleceram uma série de dificuldades para que trabalhadores rurais conseguissem ver reconhecidos suas atividades rurais perante o INSS e, ao final, aposentarem-se nos termos da legislação que está vigorando. Aqueles segurados denominados “anistiados políticos” também vêm sofrendo toda a sorte de restrições e alterações na forma de cálculos e reajustes de seus benefícios, em completo desacordo com a CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
A precarização dos direitos previdenciários atingiu seu ápice, até o momento, com a edição da EMENDA CONSTITUCIONAL nº 20/98 que extinguiu a aposentadoria por tempo de serviço, criando a aposentadoria por tempo de contribuição. Além disto, temos a criação de um regime de transição com limites etários mínimos que devem ser cumpridos para mulheres (48 anos) e homens (53 anos); pedágios (acréscimo de tempo a ser cumprido) de 20% (aposentadoria integral) e 40% (aposentadoria proporcional). No tocante ao seguro de acidente de trabalho, que foi estatizado em 1967/68, em virtude da total desorganização e insegurança proporcionadas por seguradoras privadas, foi, novamente, aberta a possibilidade das referidas empresas atuarem neste ramo juntamente com o INSS.
A EC 20/98, além das profundas alterações realizadas, tem no seu conteúdo um indicador importante de política pública no campo da seguridade social, que é a adoção de um regime privado de previdência complementar para benefícios que ultrapassarem determinado teto de remuneração ainda a ser estabelecido. Esta emenda constitucional aponta para uma privatização do regime previdenciário colocando a mercê dos fundos privados de previdência, abertos ou fechados, as parcelas mais rentáveis das remunerações dos segurados.
A alteração do perfil do sistema previdenciário brasileiro, inaugurada com a EC 20/98, está evidenciada quando esta mudou integralmente o teor do art. 202 que, deixando de elencar os benefícios previdenciários devidos aos segurados, agora normatiza constitucionalmente o regime de previdência privada de natureza complementar. Para regulamentar tal regime já tramitam três projetos de lei no Congresso Nacional, extendendo a previdência privada complementar, inclusive, para os servidores públicos.
Trata-se, evidentemente, de normatização que visa, mais uma vez, restringir e retirar direitos, bem como reduzir ganhos, assim como operou-se com os saldos de cadernetas de poupança e do FGTS por ocasião da edição dos planos econômicos Bresser (1987), Verão (1989), Collor I (1990) e Collor II (1991), e continua ocorrendo em relação às irregulares retenções de imposto de renda realizadas pela CEF sobre licenças, férias e outras parcelas salariais indenizadas, entre outras.
Acaso não seja possível estancar tais modificações na estrutura previdenciária brasileira, torna-se imperativo que os segurados intensifiquem um movimento político de democratização da gestão dos recursos advindos de suas contribuições, a fim de que os mesmos não sirvam para a amortização de dívidas públicas internas e externas, bem como a especulação em aplicações de risco nas bolsas de valores.
Efetivamente não estamos em um momento onde os fundos públicos estão merecendo um tratamento digno e democrático por parte dos gestores do Estado no campo da previdência social. Entretanto, é neste momento que a organização coletiva dos segurados, munidos de informações não distorcidas pela mídia, deve ser ressaltada como única forma de fazer com que o seguro social, administrado pela Previdência Social, continue a ser um instrumento de justiça e distribuição de riqueza para aqueles que são os verdadeiros protagonistas da história nacional nestes primeiros quinhentos anos de vida após a descoberta de Pedro Álvares Cabral.
FÁBIO LUIZ MAIA BARBOSA - OAB/RS 26.987