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A PRECLUSÃO, A COISA JULGADA E A EFICÁCIA PRECLUSIVA DA COISA JULGADA: EXEGESE DO ART. 474 DO CÓDIGO BUZAID E A POSIÇÃO ADOTADA PELO PROJETO PARA UM NOVO CPC
FERNANDO RUBIN
Advogado do Escritório de Direito Social, Bacharel em Direito pela UFRGS, com a distinção da Láurea Acadêmica. Mestre em processo civil pela UFRGS. Professor da Graduação e Pós-graduação do Centro Universitário Ritter dos Reis – UNIRITTER, Laureate International Universities, Professor Pesquisador do Centro de Estudos Trabalhistas do Rio Grande do Sul – CETRA-Imed, Professor Colaborador da Escola Superior de Advocacia – ESA/RS. Professor colaborador do Centro de Orientação, Atualização e Desenvolvimento Profissional – COAD-Adv.Professor convidado de cursos de Pós-graduação latu sensu. Articulista de revistas especializadas em processo civil, previdenciário e trabalhista.
Índice: Resumo. I. Introdução. II. Dos fenômenos da preclusão e da coisa julgada formal e material. III. Da eficácia preclusiva da coisa julgada material: previsão do art. 474 do Código Buzaid e do art. 489 do Projeto para um novo CPC. IV. Conclusão. Referências doutrinárias.
Palavras-chave: Preclusão e Coisa julgada. Coisa julgada material e formal. Eficácia preclusiva da coisa julgada material.
RESUMO
O presente trabalho intenta acrescentar algumas objetivas linhas a respeito do fenômeno denominado “eficácia preclusiva da coisa julgada material”, prevista no art. 474 do Código Buzaid. Trata-se de circunstância processual complexa, a exigir detalhado e autônomo tratamento, a partir da fixação de precisos conceitos do que seja a preclusão e a coisa julgada material e formal. O estudo também se justifica pela atualidade da discussão a respeito da possibilidade de entrada em vigor de um novo CPC, Projeto 166/2010, e do tratamento que vem sendo dado à matéria a partir dele.
I – INTRODUÇÃO
Avançando nos estudos de processo civil e articulação de seus importantes institutos, chega-se a oportunidade de investigarmos um dos mais densos artigos do Código Buzaid, qual seja, o art. 474, o qual gera muitas incompreensões na prática do foro e principalmente no ambiente acadêmico, justamente em razão da complexa relação fixada entre a preclusão e a coisa julgada material[1] - a redundar em interessante fenômeno denominado de “eficácia preclusiva da coisa julgada material”. Eis a razão pela qual, no nosso sentir, o Projeto 166/2010, para um novo Código de Processo Civil, bem captou a necessidade de tratar com mais clareza do tema, o que fez, como se verá, ao disciplinar a matéria no art. 489.
II – DOS FENÔMENOS DA PRECLUSÃO E DA COISA JULGADA FORMAL E MATERIAL
1. Antes de adentrarmos, em minúcias, nos contornos do dispositivo infraconstitucional que regula a denominada “eficácia preclusiva da coisa julgada material”, relevante que discorramos sobre os fenômenos, em perspectiva autônoma.
A coisa julgada, tradicionalmente subdividida pela doutrina em material e formal, vincula-se especificamente às sentenças, não mais passíveis de exame; enquanto a preclusão se refere não só às decisões finais (sentenças), mas também às decisões proferidas no curso do processo (interlocutórias). De fato, a preclusão apresenta-se no processo, à medida que, no curso deste, determinadas questões são decididas e eliminadas[2]; apresentando-se também no momento final, quando é pressuposto necessário da coisa julgada substancial[3].
2. Aliás, destaca-se o fato de como na história (registro especial ao direito germânico na alta idade média – séculos V-XI), houve uma inadequada fusão dos termos (preclusão e coisa julgada, aplicando-se indiscriminadamente o último, em detrimento da primeiro), sendo usual o emprego da expressão “sentença interlocutória”[4].
Explica-nos Chiovenda que essa “uniformização de nomenclatura que dá margem a muitos erros e confusões”[5] é mesmo própria do processo germânico/bárbaro, que acabou influenciando a grande maioria dos sistemas processuais, inclusive o italiano, mas tão só a partir de época posterior à do direito romano – o qual, especialmente no último período da extraordinaria cognitio, mantinha uma fiel e nítida diferenciação entre a sentença que encerra o feito e adquire autoridade de coisa em julgado, das pronúncias do juiz em meio ao seu trâmite[6]. Já no direito romano-canônico ou italiano-medieval, no século XII, constatou-se a presença de resquícios das concepções traçadas pelo direito germânico anterior, sendo previsto que o recurso de apelação poderia voltar-se tanto contra decisões definitivas quanto contra interlocutórias (interlocutiones)[7]; restando inapropriadamente sedimentado, neste estágio, que a então denominada sententia interlocutoriae, caso não impugnada, passava em julgado, criando verdadeira res judicata que impedia a rediscussão da matéria na hipótese de ausência de impugnação recursal[8].
Ainda a respeito, registram Calamandrei e Zanzucchi que a tradição romana de bem diferenciar a decisão final das providências preliminares foi restabelecida, já sem resquícios, pelo Código Processual de 1940[9]. Quanto ao sistema pátrio, a aludida imprecisa tradição dos tempos mais remotos do direito comum fora rompida pelo Código Processual de 1939, sendo seguida pelo atual CPC que, no art. 162, diferencia expressamente a sentença da decisão interlocutória[10].
De acordo com o atual sistema pátrio e tradicional doutrina, capitaneada por Liebman, tem-se que a coisa julgada material (art. 467 CPC) somente atua sobre as sentenças definitivas (art. 269 CPC), impedindo que a questão meritória venha a ser novamente discutida em outro processo – e pressupõe a existência da coisa julgada formal, que, por sua vez, representa a impossibilidade de a decisão final, seja qual for, ser novamente discutida nos autos em que proferida, ou seja, imutabilidade da sentença pela preclusão dos prazos para recurso. Na Itália, Liebman criticou fortemente a posição inversa de Carnelutti, o qual dá a entender que seria a coisa julgada material o pressuposto para a coisa julgada formal[11]: rebate Liebman, com acerto, em mais de um estudo, que, a seguir esse raciocínio, “a autoridade da coisa julgada subsistiria sem a passagem em julgado da sentença: resultado paradoxal que se resolve em contradição de termos”[12].
3. Das próprias concepções firmadas pela doutrina clássica, percebe-se então que o conceito de coisa julgada formal decorre da incidência, no processo, de uma preclusão de questão final, não abrangendo, por certo, todas as preclusões possíveis de questões incidentais decididas pelo julgador (ou seja, preclusão das decisões interlocutórias inimpugnadas ou inimpugnáveis), que, aliás, podem se suceder mesmo após a ocorrência do trânsito em julgado da decisão de conhecimento – como qualquer decisão incidental importante em sede de execução de sentença.
Embora mantenha a nomenclatura tradicional, tal constatação justifica a razão pela qual Pontes de Miranda, no seu “Tratado das Ações”, em mais de uma oportunidade, não se esquivou de equiparar o termo “preclusão” à expressão “força formal de coisa julgada”[13]. Da mesma forma, nitidamente aproximando os institutos da preclusão e da coisa julgada formal, Ovídio Baptista ressalta que a última é uma forma de preclusão, que cobre a sentença de que não caiba recurso algum (“preclusão máxima”), não se tratando de verdadeira coisa julgada[14]. Em maiores detalhes Sérgio Porto destaca que a coisa julgada formal representa a estabilidade que a decisão adquire no processo em que proferida, quer tenha havido análise de mérito (art. 269 do CPC), quer não tenha ocorrido tal investigação (art. 267), eis que esta nada mais é do que a “preclusão recursal”[15].
Por isso, temos como adequado o posicionamento, na Itália, de Ugo Rocco[16], e, por aqui, o de Celso Agrícola Barbi[17], no sentido de que o conceito de coisa julgada formal é inútil[18]. No entanto, embora seja uma discussão menor, não nos parece adequado genericamente equiparar, como fez Barbi, toda e qualquer preclusão de questões com a coisa julgada formal, ao passo que tecnicamente (desde Chiovenda – como já aludido – e no nosso CPC, art. 503) se diferencie a preclusão de questões em incidentais (recaindo sobre decisões interlocutórias) e finais (recaindo sobre as sentenças).
Exato, assim, Moniz de Aragão[19], bem acompanhado na discussão da problemática por Humberto Theodoro Jr.[20], ao registrar que “a rigor coisa julgada formal é o fenômeno da preclusão, com a peculiaridade de estar relacionado somente ao ato que extingue o processo”. Portanto, entendemos somente identificável, com a coisa julgada formal, a denominada preclusão de questão final ou preclusão recursal, sobressaindo-se, mesmo assim, sem dúvida, o esvaziamento do conteúdo daquela dita espécie anômala de coisa julgada.
Embora haja respeitáveis vozes em contrário, no sentido de sustentar alguma importância na manutenção da nomenclatura “coisa julgada formal”[21], tem-se, como se sugeriu, que a própria história nos mostra a incongruência da expressão. Repise-se que no direito romano a sentença, sobre a qual exclusivamente incide o instituto da coisa julgada, tão somente significava “sentença definitiva”, sendo desconhecida a figura da “sentença terminativa”[22] – reconhecendo-se, ademais, ao longo da história, que se o ato do juiz não encaminha a fazer cessar a incerteza sobre a norma aplicável ao caso concreto (envolvendo então a lide, na concepção carneluttiana[23]), teríamos uma providência que não é substancialmente uma sentença[24].
Afigura-se, pois, impreciso que haja possibilidade de, em uma decisão final que não seja de mérito (“sentença terminativa”), restar corporificada uma espécie de “coisa julgada” (a formal); sendo melhor, tecnicamente, falar-se em aplicação, in casu, tão somente da figura da preclusão. Mais uma vez preciso, Moniz de Aragão expressa, no mesmo sentir, sua desconfiança: “A denominação ‘coisa julgada formal’ chega a ser contraditória; se a coisa – ‘res’ – está julgada e por isso se fala em ‘res iudicata’ (coisa julgada), é inadmissível empregar essa locução para designar fenômeno de outra natureza, correspondente a pronunciamento que não contêm o julgamento da ‘res’” [25] [26].
Ciente da denunciada inutilidade do conceito “coisa julgada formal”, e a partir dos próprios conceitos de Chiovenda, Isidoro Eisner desenvolve conclusivamente que a principal e necessária distinção a ser feita é entre a preclusão e a coisa julgada material: “A coisa julgada, como eficácia e autoridade emanada da sentença final, vale e se impõe fora do processo enquanto deve ser acatada por todos os juízes dos juízos futuros que pretendem debater a mesma questão já resolvida; enquanto que a preclusão, durante o processo, das diversas questões suscitadas (mesmo as finais), só tem eficácia e se faz indiscutível dentro do mesmo, sem se estender e se impor a outros juízos”[27].
E é exatamente por discorrer sobre todas essas perspectivas, parece mesmo que faltou uma dose de coragem à Chiovenda, lá no início do século XX, para denunciar a inoperância e mesmo então a incongruência de se sustentar a utilização da expressão criticada – especialmente, na hipótese sobredita de sentença terminativa, em que apareceria desacompanhada da coisa julgada material, não havendo então o julgamento da res.
4. Demonstrada a inutilidade da expressão “coisa julgada formal”, suficiente ter-se presente que sobre a sentença de mérito, de que não caiba mais recurso, atua a preclusão (endoprocessualmente) e a coisa julgada material (panprocessualmente), sendo que nos demais casos de que não caiba mais recurso (sentença terminativa e decisão interlocutória) tão somente atua o primeiro instituto.
III – DA EFICÁCIA PRECLUSIVA DA COISA JULGADA MATERIAL: PREVISÃO DO ART. 474 DO CÓDIGO BUZAID E DO ART. 489 DO PROJETO PARA UM NOVO CPC
5. O art. 474 do CPC é o dispositivo que verdadeiramente aproxima de maneira menos estanque os institutos a serem diferenciados (repite-se: preclusão e coisa julgada material), à medida que corporifica a hipótese da eficácia preclusiva da coisa julgada material (também denominada “coisa julgada implícita” ou simplesmente “julgamento implícito”) – em que a eficácia do fenômeno preclusivo excepcionalmente transcende os limites do processo em que foi proferida a sentença coberta pela coisa julgada (eficácia preclusiva externa, panprocessual ou secundária)[28].
Ocorre que, embora o art. 468 do Código Buzaid limite a força da res judicata aos limites da lide e as questões decididas, o CPC, aparentemente sem querer contrariar essa premissa, determina no art. 474 que “passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido”.
Assim, com o trânsito em julgado da sentença de mérito, as alegações, nos termos em que posta a demanda, que poderiam ter sido apresentadas, visando ao acolhimento do pedido, pelo autor, ou rejeição dele, pelo réu, é como se o tivessem sido, impedindo reexame em outro processo dessa matéria deduzível não trazida para o processo.
Daí figura-se que a eficácia preclusiva da coisa julgada alcança não só as questões de fato e de direito efetivamente alegadas pelas partes, mas também as questões de fato e de direito que poderiam ter sido alegadas pelas partes, mas não o foram – o que por certo não abrange a matéria fática e jurídica superveniente à decisão, e ainda as questões de fato e de direito que, mesmo não alegadas pelas partes por inércia indevida, poderiam ter sido examinadas de ofício pelo juiz, mas também não o foram.
Trata-se, como argumenta, Scarpinella Bueno, de algo necessário para a compreensão do próprio fundamento da coisa julgada e para a eficiência desta opção política, que realiza o princípio da segurança jurídica, expressamente consagrado no art. 5°, XXXVI da CF/88: “não se pode cogitar, com efeito, da imutabilidade de uma decisão se fosse possível levar ao judiciário, a cada novo instante, novos argumentos das questões já soberanamente julgadas, iniciativa que, em última instância, teria o condão de desestabilizar o que, por definição, não pode ser atacado”[29].
Está-se, portanto, diante de situação especial que projeta os efeitos da preclusão, ocorrida na apresentação do tema litigioso (especialmente na fase postulatória, em face da aplicação da técnica da eventualidade), para fora do processo, vetando, em muitos casos, a propositura de nova demanda. Louvável, por isso, o seu estudo pontual, bem como a utilização da específica expressão “eficácia preclusiva da coisa julgada material”[30] – já que se trata de instituto autônomo (produto final “c”), decorrente da aplicação amalgamada dos préstimos da preclusão (produto “a”) e da coisa julgada material (produto “b”).
6. Pois bem. Tem-se, no tópico, que o grande problema a ser solucionado cinge-se ao limite da eficácia preclusiva da coisa julgada. A análise isolada do dispositivo parece nos levar a compreender um limite extensivo da eficácia preclusiva, defendido dentre outros por Araken de Assis[31] e com algumas ressalvas por Ovídio Baptista[32], determinando, em termos práticos, que tendo a esposa, com o objetivo de extinguir sua relação matrimonial, proposto ação de separação contenciosa com base exclusivamente na embriaguez habitual do marido, e tendo sido julgada improcedente esta ação, não poderia ela ingressar novamente em juízo, com o mesmo pedido (separação), mas diversa causa de pedir (v.g., o adultério).
No entanto, analisando a matéria dentro do contexto do Código (interpretação sistemática do art. 474 com os arts. 2°, 128, 264, 300, 301, 468 e 469), bem como tendo presente a opção pátria pela teoria da substanciação (estabelecida no art. 282, III, do CPC, a considera os fatos como relevantes para a definição do conteúdo da causa de pedir e, por conseguinte, da matéria dispositiva da sentença), temos, como mais adequada a posição adotada, dentre outros por Barbosa Moreira[33], que confere limite restritivo à eficácia preclusiva da coisa julgada material.
Para essa corrente, a variação de qualquer dos elementos identificadores da ação importa, de per si, na variação da própria demanda, deixando, pois, de haver identidade entre ambas, visto que modificado um dos seus elementos individualizadores. Ademais, invoca-se, o art. 5°, XXXV, da CF/88, informando que, pelo art. 474 CPC, a decisão de mérito reputa deduzidas todas as matérias passíveis de invocação, sem suprimir de apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito advindas de causas outras aptas a dar suporte à pretensão, não apresentadas naquela determinada contenda.
7. Portanto, a eficácia preclusiva da coisa julgada deveria tão somente consumir todas as alegações e defesas que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido, nos parâmetros da lide deduzida, ou seja, sem que altere ou extrapole qualquer dos limites individualizadores das demandas, modificando a causa petendi.
De acordo com esta corrente de interpretação restritiva do art. 474, Liebman[34], ainda comentando o anterior Código de Processo Civil, à luz do conceito de lide empregado por Carnelutti, refere que as questões que constituem premissa necessária da conclusão, isto é, da decisão sobre o pedido das partes, entendem-se definitivamente decididas “nos limites da lide”; “quer dizer que a mesma lide não poderá ser suscitada com fundamento nessas questões, quer o juiz as tenha realmente decidido, quer não. A contrario sensu, as mesmas questões não se entenderão decididas, se a lide for outra”. A mesma interpretação restritiva a partir do texto do então vigente art. 287 do CPC de 1939 é sustentada por Alfredo Buzaid[35], o autor do posterior Código Processual – o que abaliza ainda mais a posição dessa vertente.
Também na mesma trilha anda Sérgio Gilberto Porto, que ao comentar o art. 474 do CPC, fez uma sintética e coerente análise de todo o problema, concluindo, a partir de exemplo prático (já lançado em página precedente), o seguinte: “Consideram-se deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas pertinentes, e por pertinentes à demanda entendam-se aquelas que contribuem para a fixação da lide (...) nos limites da causa. Assim, na ação de separação judicial proposta e na insuportabilidade da vida em comum, em face da embriaguez habitual de um dos cônjuges, tudo em torno do conteúdo fático da causa é considerado deduzido, mesmo que não o tenha sido. Todavia, em caso de improcedência da demanda, nada obsta que seja proposta nova ação, agora com base no adultério, ainda que este já tivesse sido consumado à época do ajuizamento da primeira demanda, eis que – por se tratar de ação diversa, em razão da mudança da causa – não há que se falar em coisa julgada e, muito menos, em eficácia preclusiva desta”[36].
8. Não é outra a posição adotada em paradigmáticos julgados do STJ e STF, que ao fazerem menção expressa aos arts. 474 e 469, I, do CPC, acenam para a possibilidade de propositura de nova demanda, se as alegações e defesas escapem do objeto do processo[37]. Certo, pelo que se nota da posição jurisprudencial ventilada, que o entendimento majoritário de interpretação restritiva do conteúdo apresentado pelo art. 474 do CPC, a estabelecer os devidos limites objetivos da coisa julgada, envolve adequada ponderação do que realmente deva ser abrangido pelo que se tem como o “objeto litigioso do processo”[38]. Aprofundemos a investigação.
9. Tratando-se, grosso modo, da pretensão deduzida em juízo pela parte autora (direito material afirmado)[39], temos que o objeto litigioso do processo, no nosso sistema, abrange não só o pedido, mas também a causa de pedir que o serve de fundamento.
Na Alemanha, onde de fato o tema foi extensamente debatido, Schwab registra que o pedido é o verdadeiro objeto do litígio (Antrag), sendo bem sedimentado por Rosenberg e depois por Habscheid que a causa de pedir (ou o “estado das coisas”: Lebenssachverhalt) também o integram[40]. Liebman, seguido por Frederico Marques, manteve a posição de que somente o pedido do autor é objeto do processo[41], no que fora adequadamente superado, a nosso ver, dentre outros, pelo raciocínio deduzido por Sydney Sanches, ao expor que em face das características do ordenamento jurídico-processual brasileiro (assumindo a teoria da substanciação) “parece-nos que a causa de pedir se ajunta ao pedido para com este formar, em nosso sistema, o chamado objeto litigioso do processo”[42]. No mesmo sentido Botelho de Mesquita, em maiores linhas, destaca: “Causa petendi e petitum, intimamente ligados, qual verso e reverso da mesma medalha, ou alicerces e paredes do mesmo edifício, são por excelência os elementos identificadores do objeto do processo, pois o petitum é condição da existência da causa petendi e esta, por sua vez, não se limita a qualificá-lo ou restringi-lo, mas o individua plenamente”[43].
E a causa de pedir, a seu turno, resta corporificada pela presença do fato jurídico (causa petendi remota), sob os quais gravitam os fatos simples, como bem diferenciou Adolf Schönke[44]; respectivamente, “fatos essenciais” e “fatos circunstanciais” na nomenclatura adotada por Devis Echandía[45], ou ainda “fatos essenciais” e fatos “não essenciais” conforme mencional Marinoni e Mitidiero[46] - sendo ainda imprescindível, no sistema pátrio, a presença da causa petendi próxima, representada pelos fundamentos jurídicos do pedido (ou seja, as consequências jurídicas que o autor pretende extrair com a exposição dos fatos[47]); o que não se confunde com os prescindíveis fundamentos legais do pedido (ou seja, a mera referência aos dispositivos de lei que a parte entende que servirão para obter resultado favorável na demanda).[48]
De qualquer forma, podendo o magistrado eventualmente desprezar os fundamentos legais invocados, e até os fundamentos jurídicos aportados (causa petendi próxima)[49], valendo-se para tanto do adágio iura novit curia (presumindo-se que o juiz conhece o direito, pela incidência do correlato brocardo narra mihi factum, dabo tibi ius)[50], correto se pensar que para o estudo da abrangência do objeto litigioso do processo, deve-se especialmente focar a atenção, além do pedido propriamente dito, aos fatos jurídicos/fatos essenciais elencados na exordial (causa petendi remota).
Avancemos, pois: quando alguém pede a procedência da demanda de separação judicial com base, para permanecermos no exemplo ilustrado, na embriaguez habitual do companheiro, o fato jurídico é a embriaguez; e os fatos simples são aqueles que levam à conclusão de que efetivamente ocorreu o fato jurídico (a embriaguez). Assim, sempre relembrando a diferenciação de Schönke, o julgador só poderá julgar a demanda nos limites absolutos aportados pela parte autora, em termos de pedido(s) e de fato(s) jurídico(s) – como, aliás, registra expressamente o art. 128 c/c art. 460 do CPC[51], a redundar que alterado o fato jurídico (passando a ser, v.g., o adultério), há diversa causa petendi, e por consequência, nova demanda poderá ser proposta (mesmo que mantida a identidade de partes e até de pedido).
Por isso que quando o art. 131 do CPC, ao aludir que na apreciação livre da prova, pode o julgador levar em consideração as circunstâncias e os fatos constantes nos autos ainda que não alegados pelas partes, temos, em respeito ao princípio dispositivo em sentido material ou próprio, que está autorizando a utilização, ex officio pelo julgador, tão somente de algum fato simples relacionado ao fato jurídico apontado expressamente na exordial, e não propriamente de fatos jurídicos autônomos não apresentados pela parte demandante[52]. Tal ponderação, fica agora mais fácil de constatar, é possível em sistema processual que adota a teoria da substanciação, preocupado, com o material fático aportado pelas partes, e não própria e exclusivamente com a relação jurídica concreta havida entre elas; resultando daí que os fatos (jurídicos) não aportados pelas partes não podem ser tomados em consideração pelo juiz naquela demanda, tão somente em outra – se assim demonstrar interesse a parte autora, com o ajuizamento de nova ação judicial[53].
A discussão, nos limites sobreditos, aponta com maior visibilidade para a matéria que realmente deva ser abrangida pela coisa julgada material (seus limites objetivos)[54], já que os fatos simples, relacionados ao fato jurídico discutido no feito (embriaguez habitual), que poderiam ser alegados pela parte e até mesmo reconhecidos pelo juiz com base nas provas aportadas ao feito, mas ali não foram, não poderão ser em outra demanda (eficácia preclusiva da coisa julgada material)[55], o que não importará, como visto, na impossibilidade de serem alegados, em ulterior demanda, fatos simples relacionados a outro fato jurídico não desenvolvido na demanda originária (v.g., adultério).
Cabe por isso, conclui-se, atenta exegese articulada do art. 469, I, do CPC com o que dispõe o art. 474 do CPC, já que mesmo se sustentando que isoladamente os motivos da sentença, pertinentes ao plano fático, não fazem coisa julgada, vindo a integrar indiretamente o dispositivo sentencial (quando constituem o seu “precedente lógico necessário”, nas palavras de Carnelutti[56], e especialmente identificam o real alcance do tema travado entre os litigantes[57]), podem ser decisivos para a fixação dos limites objetivos da coisa julgada material, ao menos no nosso sistema processual (que adota a teoria da substanciação, e que por isso os tem, por regra, como verdadeiro cerne da causa petendi).
10. Trataremos, por fim, de outro exemplo da prática do foro para que fique melhor explicitada a questão central do presente ensaio.
Em uma demanda acidentária foi requerido determinado benefício (pedido) em desfavor do órgão previdenciário em razão de problemas ortopédicos do segurado (Lesões por Esforços Repetitivos, LER – fato jurídico/fato essencial). Caso seja julgada improcedente a pretensão levada ao órgão jurisdicional, sob o fundamento de não caracterização do alegado problema ortopédico, em tese, e em aplicação restritiva dos limites da eficácia preclusiva da coisa julgada material, é viável a apresentação de novel processo acidentário a fim de que o mesmo benefício seja concedido em razão de outro problema incapacitante – v.g., déficit auditivo (Perda Auditiva Induzida por Ruído, PAIR). Essa segunda demanda possui relativa/suficiente autonomia, com relação à primeira, à medida que não obstante seja constatada identidade de pedido entre as lides, há distinção entre elas no que tange à causa de pedir (remota), ou seja, os fatos jurídicos apresentados são absolutamente diversos (LER versus PAIR). Portanto, na hipótese ventilada, caso reste devidamente confirmada a incapacidade laborativa em decorrência agora de problemas auditivos (e não de problemas ortopédicos), o benefício há de ser concedido ao segurado.
Essa complexa questão envolvendo a exegese do art. 474 do CPC, finaliza-se, parece ter sensibilizado os doutos que trabalharam na formação do Projeto 166/2010 para um Novo Código de Processo Civil, já que pela redação conferida ao art. 489, o tema resta melhor esclarecido, sendo prestigiada a tese acolhida nesse ensaio, de interpretação restritiva dos limites da eficácia preclusiva da coisa julgada material. Nesses termos, o Projeto prevê, que “transitada em julgado a sentença de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido, ressalvada a hipótese de ação fundada em causa de pedir diversa”[58] (grifo nosso, com a novidade introduzida pelo Projeto).
IV – CONCLUSÃO
Em apertadíssima síntese do que ficou registrado neste ensaio, confirma-se que a preclusão é fenômeno próprio do processo em que verificada, produzindo, por regra, efeitos dentro do mesmo processo (eficácia interna, endoprocessual ou primária), não sendo ademais restrita sua aplicação diante de decisão interlocutória não ou ineficazmente impugnada – embora nesse cenário seja mais lembrada. Engloba, o instituto, o que se tem por coisa julgada formal (conceito jurídico inútil) e é pressuposto para a caracterização da coisa julgada material, diante de sentenças definitivas – esta sim verdadeira coisa julgada que projeta seus plenos efeitos para fora do processo; podendo ainda se falar, em limites restritivos, de uma eficácia preclusiva da coisa julgada material (eficácia externa, panprocessual ou secundária), nos termos do art. 474 do Código Buzaid e agora do art. 489 do Projeto para um novo CPC – a representar que passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as matérias que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido (o que seja: fatos jurídicos/fatos essenciais expostos na petição inicial; e fatos simples/fatos circunstanciais aos primeiros relacionados, aportados ou não ao processo), ressalvada a possibilidade de novel demanda fundada em causa de pedir remota diversa (o que seja: fatos jurídicos/fatos essenciais outros não aportados ao processo originário).
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[1] Trataremos, assim, de maneira mais aprofundada e atualizada de questões referentes aos institutos da preclusão e da coisa julgada material, originariamente abordadas em: RUBIN, Fernando. A preclusão na dinâmica do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 90/97, especialmente.
[2] “Não há dúvidas de que a ameaça de preclusão constitui princípio fundamental da organização do processo, sem o qual nenhum procedimento teria fim” (ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do formalismo no processo civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 170).
[3] “(...) La cosa giudicata è un bene della vita riconosciuto o negato dal giudice; la preclusione di questioni è l’espediente di cui il diritto si serve per garantire al vincitore il godimento del risultato del processo (cioè il godimento del bene riconosciuto all’attore vincitore, la liberazione dalla pretesa avversaria al convenuto vincitore). Credo d’aver cosi fissato in modo molto chiaro la profonda differenza fra cosa giudicata e preclusione di questioni, di fronte all’ipotesi d’un processo ultimato. Ma se noi guardiamo i diritti moderni, e più particolarmente il nostro diritto, vediamo subito come la preclusione di questioni sia un espediente di cui il legislatore si serve anche nel corpo del processo (...)” (CHIOVENDA, Giuseppe. “Cosa giudicata e preclusione” in Rivista Italiana per le scienze giuridiche n° 11 (1933): 3/53. Especialmente p. 8).
[4] Adolfo Schönke, dentre outros, confirma que se desenvolveram no direito alemão, ao lado das sentenças definitivas (que podem ser de fundo ou simplesmente processuais), as sentenças interlocutórias ou incidentais para questões surgidas durante o curso do processo (SCHÖNKE, Adolfo. Derecho procesal civil. 5ª ed. Trad. por L. Prieto Castro. Barcelona: Bosch, 1950. p. 256/257). Também apontando para a origem alemã da expressão “sentença interlocutória” e discorrendo sobre o assunto: ALSINA, Hugo. “Tratado teórico práctico de derecho procesal civil y comercial”. Buenos Aires: Compañia Argentina, 1941. Tomo I, p. 236.
[5] CHIOVENDA, Giuseppe. “Cosa giudicata e preclusione” in Rivista Italiana per le scienze giuridiche n° 11 (1933): 3/53. No mesmo sentido: ROCCO, Alfredo. La sentencia civil. Trad. por Mariano Ovejero. México: Stylo, p. 241/244.
[6] CHIOVENDA, Giuseppe. “Sulla cosa giudicata” in Saggi di diritto processuale civile. Vol. 2. Milão: Giuffrè, 1993. Reimpressão, p. 399/409. Também sobre o tema: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 1997. 3ª ed. Tomo V, p. 181/182.
[7] KEMMERICH, Clóvis Juarez. O direito processual na idade média. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2006, p. 132.
[8] NUNES, Dierle José Coelho. “Preclusão como fator de estruturação do procedimento” in Estudos continuados de teoria do processo. vol. IV. Porto Alegre: Síntese, 2004, p. 181/210.
[9] Calamandrei faz expressa menção à exposição de motivos do CPC italiano de 1940 (n° 34), em que o Ministro Grandi informa que uma das alterações do novo sistema é o retorno à tradição romana de “distinção entre sentencia e interlocutio” (CALAMANDREI, Piero. Direito processual civil. Trad. por Luiz Abezia e Sandra Drina Fernandez Barbery. Campinas: Bookseller, 1999, Vol. 1, p. 72). Zanzucchi, por sua vez, deixa transparecer que o conceito romano de sentença envolvia somente “il provvedimento finale di merito”, sendo que até no sistema de 1865 havia ainda particular interesse a sentença que se qualificava de interlocutorie, a qual passou a não ser mais conhecida pelo modelo processual vigente a partir de 1940 (ZANZUCCHI, Marco Tullio. Diritto processuale civile. Vol. 1. 4ª ed. Milão: Giuffrè, 1947, p. 421).
[10] NORONHA, Carlos Silveira. Sentença civil: perfil histórico-dogmático. São Paulo: RT, 1995, p. 280.
[11] CARNELUTTI, Francesco. Lezioni di diritto processuale civile. Vol. 4. Padova: CEDAM, 1933, p. 489/493.
[12] LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença. 2ª ed. Trad. por Alfredo Buzaid e Benvindo Aires. Notas de Ada Pellegrini Grinover. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 09/10, 48, 60/61, e 68/69; LIEBMAN, Enrico Tullio. “Effetti della sentenza e cosa giudicata” in Rivista di diritto processuale, n° 1, 1979: 1/10; LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. Tocantins: Intelectus, 2003, Vol. 3, p. 35/36, e 171/172.
[13] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado das ações. Tomo I. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Campinas: Bookseller, 1998, p. 177 e 194.
[14] SILVA, Ovídio Baptista da. Teoria geral do processo civil. São Paulo: RT, 1997, p. 317; MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. Vol. 2. Campinas: Millenium, 2000, p. 350.
[15] PORTO, Sérgio Gilberto. “Classificação de ações, sentença e coisa julgada”, extraído do site http://www.professorademir.com.br/arquivo_doutrina/miolodoutrinaclassificacao.htm. Acesso em: 20 out. 2007.
[16] “(...) Crediamo che tale distinzione sia priva di qualunque utilità e che, anzi, invece di charire i concetti serva a confonderli; datto in fatti, che nell’attuale sistema legislativo, la forza obbligatoria e unicamente inerente alla sentenza inoppugnabile, si potrà al massimo dire, che la inoppugnibilità della sentenza costituisce un presupposto formale (e non il solo) dell’autorità di cosa giudicata della sentenza (...)” (ROCCO, Ugo. L’autorità della cosa giudicata e i suoi limiti soggettivi. Roma: Athenaeum, 1917, p. 06/07).
[17] “Substituir o conceito de coisa julgada formal pelo de preclusão de questões será apenas reconhecer a superação de um conceito que se demonstrou imprestável e apto somente para gerar confusões. O conceito de preclusão (...) substitui, portanto, no estado atual de Direito, o de coisa julgada formal, o qual só permanece pela tenaz resistência das coisas velhas e difundidas no Foro” (BARBI, Celso Agrícola. “Da preclusão no processo civil”, in Revista Forense, 158 (1955): 62/63).
[18] A favor de Barbi, alude Antônio Carlos Mercato, citando-o, que “tem ele razão, a nosso ver, já que a coisa julgada formal e a preclusão (temporal) são fenômenos que, ao término do processo, apresentam os mesmos efeitos, têm a mesma finalidade e alcance, ou seja, impedir o reexame, onde foi proferida, da sentença não mais sujeita a recursos” (MARCATO, Antônio Carlos. “Preclusões: limitação ao contraditório?” in Revista de Direito Processual Civil n° 17 (1980): 105/114. Especialmente p. 110).
[19] ARAGÃO, E. D. Moniz. Sentença e coisa julgada. Rio de Janeiro: AIDE, 1992, p. 219.
[20] “Ora, se o que fecha o processo é a impossibilidade de recorrer (preclusão da faculdade recursal), onde ficaria a coisa julgada formal, senão no lugar do efeito imediato da própria extinção do direito de recorrer? Não há como separar as duas noções, de maneira que a coisa julgada formal não é outra coisa que a última preclusão ocorrida dentro do processo. Não há utilidade prática, nem teórica, em distinguir a coisa julgada formal da preclusão (...)”; mas “(...) naturalmente, a preclusão é um fenômeno muito mais amplo, pois abraça todas as faculdades processuais e quase todas as questões decididas antes da sentença” (THEODORO JR., Humberto. “A preclusão no processo civil” in Revista Jurídica n° 273 (2000): 5/23. Especialmente p. 22).
[21] Dentre eles, Luiz Machado Guimarães, Ada Pellegrini Grinover, Arruda Alvim, João Batista Lopes, Elmano Cavalcanti de Freitas, Manoel Caetano Ferreira Filho, e José Maria Rosa Tesheiner. O último, parecendo, de alguma forma, tentar legitimar uma separação absoluta entre a esfera de atuação, no processo, da preclusão e da coisa julgada formal, no nosso sentir, comete erro mais grave, ao passo que exclui a incidência da preclusão às questões finais do processo, conforme se lê: “a propósito de decisões interlocutórias, imodificáveis e indiscutíveis no processo em que forem proferidas, diz-se ocorrer preclusão, reservando-se a expressão ‘coisa julgada formal’ para as sentenças” (TESHEINER, José Maria Rosa. Elementos para uma teoria geral do processo. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 177).
[22] CHIOVENDA, Giuseppe. “Sulla cosa giudicata” in Saggi di diritto processuale civile. Vol. 2. Reimpressão. Milão: Giuffrè, 1993, p. 399/409; CHIOVENDA, Giuseppe. “Cosa giudicata e competenza” in Saggi di diritto processuale civile. Vol. 2. Reimpressão. Milão: Giuffrè, 1993, p. 411/423.
[23] De fato, Carnelutti defendia que a coisa julgada deve ser utilizada tão somente quando houver apreciação e definição quanto à lide (o mérito), o que se dá por intermédio da sentença definitiva (CARNELUTTI, Francesco. Lezioni di diritto processuale civile. Vol. 4. Padova: CEDAM, 1933, p. 420/421 e p. 489); equivocando-se Elmano de Freitas quando afirma que Liebman também restringia os efeitos da coisa julgada formal às sentenças definitivas – cabendo efetivamente a Carnelutti a correção no rigor técnico, neste ponto (FREITAS, Elmano Cavalcanti de. “Da preclusão” in Revista Forense n°240 (1972): 22/35).
[24] ROCCO, Alfredo. La sentencia civil. Trad. por Mariano Ovejero. México: Stylo, p. 57; ALSINA, Hugo. Tratado teórico práctico de derecho procesal civil y comercial. Tomo I. Buenos Aires: Compañia Argentina, 1941, p. 264.
[25] ARAGÃO, E. D. Moniz. Sentença e coisa julgada. Rio de Janeiro: AIDE, 1992, p. 219.
[26] Na mesma direção, consignando “não ser técnico falar em coisa julgada formal”, Devis Echandía também destaca que “quando se fala de simples coisa julgada formal, se quer dizer que não existe coisa julgada, o que encerra uma contradição” (DEVIS ECHANDÍA, Hernando. Teoria General del proceso. Tomo II. Buenos Aires: Editorial Universidad, 1985, p. 566).
[27] EISNER, Isidoro. “Preclusión” in Revista Juridica Argentina La Ley n° 118 (1965): 1106/1112.
[28] A cunhagem da expressão “eficácia preclusiva” passou a ganhar real destaque após trabalho de Luiz Machado Guimarães – oportuno ensaio para aprofundamento: GUIMARÃES, Luiz Machado. “Preclusão, coisa julgada e efeito preclusivo” in Estudos de direito processual civil. Rio de Janeiro: Jurídica e Universitária, 1969, p. 9/32. Na Itália, onde o assunto continua bastante debatido, importante a leitura dos ensaios de Pugliese, mais nos pontos de que trata sobre “L’oggetto del giudicato”; e principalmente de Allorio, analisando julgamento da Corte di Cassazione da sessão de 15 de abril de 1936: PUGLIESE, Giovanni. “Giudicato civile (diritto vigente)” in Enciclopedia del diritto, n° 18 (1969): 785/893; ALLORIO, Enrico. “Critica della teoria del giudicato implicito” in Rivista de diritto processuale civile, Vol. XV, Parte II, 1938: 245/256.
[29] SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso sistematizado de direito processual civil – procedimento comum: ordinário e sumário. São Paulo: Saraiva, 2010. 3ª ed. Vol. 2, Tomo 1. p. 418/419.
[30] Parecendo-nos, por isso, despropositada a crítica de Edson Ribas Malachini aos doutrinadores que cultivam a peculiar expressão, para quem “não há razão para dar nome diferente ao mesmo fenômeno: afinal, eficácia preclusiva ou efeito preclusivo não pode ser outra coisa que não a própria preclusão” (MALACHINI, Edson Ribas. “Inexatidão material e ‘erro de cálculo’ – conceito, características e relação com a coisa julgada e a preclusão” in Revista de Processo n° 113 (2004): 208/245).
[31] “O resultado não deve escandalizar ninguém. Não se convive tranqüilamente com a prescrição e com a decadência, que, em última análise, provocam conseqüências nefastas aos direitos nefastos? Não se tolera, também, a própria coisa julgada como instituto vocacionado antes à segurança jurídica do que à justiça? Entre nós, o art. 474 deriva da imprópria noção de processo ou de lide parcial; e outros dispositivos, espalhados pelo Código, revelam o compreensível propósito do legislador de aproveitar o processo para resolver a lide em sua integralidade (...). Bem conseqüencia, então, que o art. 474, projetando o futuro, aproveite o processo para extinguir totalmente a lide entre as partes” (ASSIS, Araken de. “Reflexões sobre a eficácia preclusiva da coisa julgada” in Ajuris n° 44 (1988): 25/44).
[32] Sobre a complexidade da matéria e a relação dela com as teorias da substanciação, de maior voga no Brasil, e da individuação, aplicada na Itália e Alemanha, aconselhável a leitura de Ovídio Baptista, o qual repetidamente aponta para a dificuldade prática de se delimitar a eficácia preclusiva da coisa julgada (SILVA, Ovídio Baptista da. Curso de processo civil. 6ª ed. Vol. 1. São Paulo: RT, 2003, p. 511/516), parece inicialmente se inclinar a favor dessa última ou da aceitação de uma “teoria da substanciação moderada” (SILVA, Ovídio Baptista da. Teoria geral do processo civil. São Paulo: RT, 1997, p. 234/240); no entanto, já em outra obra, mais específica sobre o tema, o pré-citado jurista admite e até passa a sustentar interpretação mais restrita do art. 474 do CPC (SILVA, Ovídio Baptista da. “Limites objetivos da coisa julgada no atual direito brasileiro” in Sentença e coisa julgada. Rio de Janeiro: Forense, 2003. 4ª ed, p. 231 e ss.).
[33] “(...) A preclusão das questões logicamente subordinantes apenas prevalece em feitos onde a lide seja a mesma já decidida, ou tenha solução dependente da que se deu à lide já decidida. Fora dessas raias, ficam abertas à livre discussão e apreciação as mencionadas questões, independente da circunstância de havê-las de fato examinado, ou não, o primeiro juiz, ao assentar as premissas de sua conclusão” (BARBOSA MOREIRA, J. C. “A eficácia preclusiva da coisa julgada material no sistema do processo civil brasileiro” in Temas de direito processual. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 102).
[34] LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre o processo civil brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1976, p. 162/164.
[35] BUZAID, Alfredo. Do agravo de petição no sistema do código de processo civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1956, p. 111/114.
[36] PORTO, Sérgio Gilberto. Comentários ao código de processo civil. Vol. 6 (arts. 444 a 495). São Paulo: RT, 2000, p. 222/236.
[37] Do STJ, transcreva-se a seguinte paradigmática decisão: “A imutabilidade própria de coisa julgada alcança o pedido com a respectiva causa de pedir. Não está esta última isoladamente, pena de violação do disposto no art. 469, I do CPC. A norma do art. 474 do CPC faz com que se considerem repelidas também as alegações que poderiam ser deduzidas e não o foram, o que não significa haja impedimento a seu reexame em outro processo, diversa a lide” (REsp 11315-0/RJ, 3ª Turma, DJU 28/09/1992, Rel. Min. Eduardo Ribeiro), por sua vez, do STF, colhe-se o seguinte: “a norma inscrita no art. 474 do CPC impossibilita a instauração de nova demanda para rediscutir a controvérsia, mesmo que com fundamento em novas alegações (...). A autoridade da coisa julgada em sentido material entende-se, por isso mesmo, tanto ao que foi efetivamente arguido pelas partes quanto ao que poderia ter sido alegado, mas não o foi, desde que tais alegações e defesas se contenham no objeto do processo” (RE 251666-AgRg/RJ, 2ª Turma, DJU 22/02/2002, Rel. Min. Celso de Mello).
[38] É de se esclarecer, de antemão, que na presente obra perfilhamo-nos ao entendimento dos juristas que diferenciam “objeto litigioso do processo” de “objeto do processo”: o primeiro seria firmado pela pretensão da parte demandante, além de eventual reconvenção e declaratória incidental atravessada pela parte demandada; já o segundo, de dimensão maior, abrangeria todas as questões do feito, inclusive as questões preliminares e prejudiciais defendidas pela parte demandada ou reconhecíveis de ofício pelo julgador, a serem enfrentadas pelo magistrado antes de ingressar no mérito propriamente dito. Nesse sentido: SANCHES, Sydney. “Objeto do processo e objeto litigioso” in Ajuris n° 16 (1979): 146/156; SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. Vol. 1, 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 272; NORONHA, Carlos Silveira. Sentença civil: perfil histórico-dogmático. São Paulo: RT, 1995, p. 102 e 106.
[39] CRUZ E TUCCI, José Rogério. A causa petendi no processo civil. São Paulo: RT, 1993, p. 107/108; MANDRIOLI, Crisanto. “Riflessini in tema di ‘petitum’ e di ‘causa petendi’ in Rivista di Diritto Processuale n° 39 (1984): 465/480.
[40] HABSCHEID, Walther J. “L’oggeto del processo nel diritto processuale civile tedesco” in Rivista de Diritto Processuale n° 35 (1980): 454/464. Trad. por Ângela Loaldi.
[41] LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre o processo civil brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1976, p. 118.
[42] SANCHES, Sydney. “Objeto do processo e objeto litigioso” in Ajuris n° 16 (1979): 146/156.
[43] BOTELHO DE MESQUITA, José Inácio. “A ‘causa petendi’ nas ações reivindicatórias” in Ajuris n° 20 (1980): 166/180.
[44] SCHÖNKE, Adolfo. Derecho procesal civil. Trad. por L. Pietro Castro. 5ª ed. Barcelona: Bosch, 1950, p. 167, 201/202 e 269.
[45] DEVIS ECHANDÍA, Hernando. Teoria General del proceso. Tomo II. Buenos Aires: Editorial Universidad, 1985, p. 572/573.
[46] MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil comentado. São Paulo: RT, 2011. 3ª ed. p. 453.
[47] THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. 38ª ed. V. I. Rio de Janeiro: Forense, p. 320.
[48] ALSINA, Hugo. Tratado teórico práctico de derecho procesal civil y comercial. Tomo I. Buenos Aires: Compañia Argentina, 1941, p. 255.
[49] BARROS TEIXEIRA, Guilherme Freire de. O princípio da eventualidade no processo civil. São Paulo: RT, 2005, p. 174.
[50] Na sua origem, o adágio iura novit curia significava que as normas jurídicas não precisavam de prova, dado que o juiz deve conhecê-las (nos moldes do que se chega pela exegese, ao contrário do art. 337 do CPC); mas, desde logo, foi o adágio interpretado como significativo de que a aplicação do direito é, exclusivamente, assunto atinente ao juiz, no sentido de que as partes não estão obrigadas a subsumir os fatos, por elas invocados, às normas jurídicas, mais ou menos, no sentido do brocardo: narra mihi factum, narro tibi ius. Maiores considerações sobre a devida aplicação do adágio, consultar em: BAUR, Fritz. “Da importância da dicção ‘iura novit curia’” in Revista de Processo n° 3 (1976): 169/177.Trad. por Arruda Alvim.
[51] DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do direito processual moderno. Tomo II. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 930 e 934.
[52] ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. Vol. 1. 6ª ed. São Paulo: RT, 1997, p. 390/393 e 409/419; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Omissão judicial e embargos de declaração. São Paulo: RT, 2005, p. 173/177.
[53] SCHÖNKE, Adolfo. Derecho procesal civil. 5ª ed. Trad. por L. Pietro Castro. Barcelona: Bosch, 1950, p. 81 e 166.
[54] Em outras palavras, Sydney Sanches com acerto dizia que em torno do objeto litigioso do processo é que se analisará a formação da litispendência e os limites objetivos da coisa julgada (SANCHES, Sydney. “Objeto do processo e objeto litigioso” in Ajuris n° 16 (1979): 146/156).
[55] “La qualificazione giuridica operata dal giudice, cioè quella conclusione-sintesi che è la sua sentenza, comprende lo stato di fatto invocato. Su uno stato di fatto identico no può essere fondata nessun’altra pretesa uguale. E in forza dell’autorità della cosa giudicata (o di uma istituzione supplementare), è preclusa anche la riproposizione dei fatti no invocati specificamente ma appartenenti allo stato di fatto oggetto del giudizio” (HABSCHEID, Walther J. “L’oggeto del processo nel diritto processuale civile tedesco” in Rivista de Diritto Processuale n° 35 (1980): 454/464. Trad. por Ângela Loaldi).
[56] Interessante que ao tratar da “máxima” de que os motivos não fazem coisa julgada, o processualista italiano deixa bem claro, lá nos idos da década de 30, que “questa è pero una massima da prendere con grande cautela” (CARNELUTTI, Francesco. Lezioni di Diritto Processuale Civile. Vol. IV. Padova: CEDAM, 1933, p. 432/433). Na mesma direção, o jurista colombiano Devis Echandía explicita que “generalmente se dice que la cosa juzgada está contenida en la parte resolutiva y dispositiva de la sentencia, pero esta afirmación tiene un valor relativo” (DEVIS ECHANDÍA, Hernando. Tomo II. Teoria General del proceso. Buenos Aires: Editorial Universidad, 1985. p. 595), por aqui, apontando para a possibilidade de melhor compreensão da máxima, Pontes de Miranda: “seria um erro crer-se que a coisa julgada só se induz das conclusões; as conclusões são o cerne, porém os fundamentos, os motivos, podem ajudar a compreendê-la” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Código de Processo Civil comentado. Tomo V. Rio de Janeiro: Forense, 1974, p. 153).
[57] Nesses termos é o posicionamento de Edson Ribas Malachini, que cita, dentre outros, acórdão do TRF-4ª Região, j. em 26/07/2000 em que expressamente se utiliza a expressão “dispositivo indireto” (da sentença) para fazer alusão à fundamentação contida no decisum importante para determinar o alcance da sua parte dispositiva (MALACHINI, Edson Ribas. “Inexatidão material e ‘erro de cálculo’ – conceito, características e relação com a coisa julgada e a preclusão” in Revista de Processo n° 113 (2004): 208/245).
[58] GUEDES, Jefferson Carús; DALL´ALBA, Felipe Camillo; NASSIF AZEM, Guilherme Beux; BATISTA, Liliane Maria Busato (organizadores). Novo código de processo civil. Comparativo entre o projeto do novo CPC e o CPC de 1973. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 142.